principal@eternalismo-cristao.com

Acerca do Plano Divino

Caminhos

As passagens tortuosas serão endireitadas

A infantil materialização da ideia de Deus

As passagens tortuosas serão endireitadas

Demonstrámos a existência de Deus nas suas três pessoas, entidades ou manifestações, a partir de impossibilidades do mundo material. O que existe mas não poderia existir, fosse a matéria a única realidade, atribuímos a Deus. Cabe agora perguntar: porque razão o Deus suficiente e perfeito criou o mundo material? Qual poderá ser a função deste mundo no projecto divino?

Não conhecendo o projecto divino como havemos de deduzir o lugar do mundo físico nesse projecto? A Igreja ensina que o mundo foi criado para a glória de Deus. O termo glória tem a acepção de resplendor, magnificência. Mas manifestar a glória perante quem? Perante quem está no mundo material, pela vastidão do universo, a variedade das coisas, a descoberta das leis da natureza, o testemunho de milagres? Ou perante o que há no Espírito, não sabemos o quê nem como? Ou um mundo perante o outro, quando as portas do céu se abrirem?

Temos de começar por algum lado. Sabe-se que há um projecto divino e que o mundo material responde a uma necessidade desse projecto ou não existiria.

Sabe-se que o mundo espiritual é livre, pois que a alma o é, e sabe-se que o mundo material é, pelo contrário, essencialmente automático. Os dois mundos são complementares...

Complementaridade e não oposição. E evitar precedências. Quando Deus se criou a si mesmo na pluralidade do Espírito, criou, ao mesmo tempo e com a mesma naturalidade, o mundo material. É de presumir que um sem o outro não funcionam em plenitude pois Deus nada faz em vão. São ambos -- Espírito e Matéria -- manifestação do Pai, entendendo por Pai a vontade una de Deus.

Julgo, ainda, que deve entender-se o plano do Pai não como um objectivo a atingir mas como uma vivência que ele preparou e mantém.

A certeza da existência de Deus como entidade espiritual centrada no Pai, distribuída no Espírito Santo, a que pertencem as almas, e poderosamente activa na matéria pelos milagres patrocinados pelo Filho, confere ânimo bastante para enfrentar uma questão tão difícil como a do Plano Divino. Será muito mais difícil descrever, ainda que a larguíssimos traços, a estrutura e funcionamento da Sua obra que, simplesmente, demonstrar a Sua existência.

Duas características de Deus são imediatamente evidentes. Ele é imensamente poderoso, aprecie-se o Universo, na sua enormidade e na extrema exactidão do seu detalhe. Ele é absolutamente generoso; tenha-se em conta a liberdade que faculta às almas e a solicitude com que atende os seus pedidos. Duas características, poder e generosidade, que a vivência comum acha incompatíveis. Daí a estranheza e incomodidade que a existência de Deus causa às mentes vulgares.

Perante esse desafio de conhecer melhor tão admirável e reconfortante entidade, o nosso Criador, confesso que me é mais estimulante seguir uma linha de pensamento eficaz que ficar-me por uma colecção de meias verdades contraditórias. É como se me despedisse das margens pedregosas de velhas teologias e filosofias e embarcasse numa grande aventura, entre um céu tranquilo e um mar algo agitado, mas ambos azuis e propícios.

Embora a insuficiência dos catecismos incomode e incite a ir mais longe, não deixamos de duvidar do bem fundado desta aventura. Quem somos nós para descobrir o que milhares procuraram em vão, o que outros tantos julgaram ter descoberto? Sente-se algum pudor e, mesmo, o sentimento de cometer sacrilégio.

No entanto, que me importam os outros? Só a Deus devemos reconhecimento. É para O conhecer melhor que avançamos e é dá-Lo a conhecer que pretendemos. Se chegarmos a bom porto, seremos bem acolhidos por Ele. Se não chegarmos, Ele não permitirá que fiquemos perdidos. Não há arrogância nem atrevimento nesta atitude. Não regateamos homenagem aos verdadeiros descobridores, aos cientistas, teólogos e místicos de excepção. Aos que foram estabelecendo o mapa do mundo ainda que sem prescrever uma rota.

A infantil materialização da ideia de Deus

A dicotomia Espírito vs. Matéria tem sido resolvida de três maneiras: -- materialista, tudo é matéria, os fenómenos espirituais, fraudulentos, não existem ou, se existem, serão explicados pela ciência do futuro; -- idealista, tudo é Espírito, a matéria é mera recriação, ilusão; -- realista, existem dois planos distintos, os quais se distinguem, se não pela substância, pelas regras da sua operação.

O realismo é a única alternativa que não foge à dificuldade de saber como é que planos qualitativamente distintos se relacionam. Para esta questão não há ainda resposta; é preciso admiti-lo. Há indícios mas são insuficientes.

Muito resumidamente se pode mostrar que as soluções materialista e idealista são equivalentes. A alusão à mecânica quântica serve as duas. As partículas de matéria (electrões, etc.) seriam ondas de probabilidade. Como ondas, atravessam o espaço e o tempo, são espírito. Como ondas de probabilidade, afectadas por incerteza, parecem explicar o livre-arbítrio. Se a onda colapsa, passa a partícula, fenómeno material, observável. Fim, mas ilusório e deletério, da questão.

Aviso de Swedenborg, já no século XVIII, aos materialistas -- e aos idealistas que não são outra coisa senão materialistas do avesso:

Eles são chamados de “os mortos”, porque a morte espiritual é danação, e a danação é o destino daqueles que acreditam que a vida provém da natureza, que a luz da natureza é a luz da vida e, assim, ocultam, sufocam e extinguem toda a ideia de Deus, do Céu e da vida eterna. Tais pessoas são como corujas, que vêem luz nas trevas e trevas na luz, isto é, falsidades como verdades e males como bens. Porque as delícias do mal são as delícias dos seus corações, eles não são diferentes daqueles pássaros e animais que devoram os corpos dos mortos como se foram guloseimas, e percebem os fétidos odores dos sepulcros como bálsamos. Essas pessoas não vêem outro influxo que não seja físico ou natural e se, no entanto, afirmam que o influxo é espiritual, isso não provém de qualquer ideia mas da boca de um professor.

Swedenborg. Obra já referida.

Na procura de Deus, entramos no Espírito. Ou melhor, é o Espírito que nos convida a entrar. Por múltiplas portas. Outras portas se abrem na mesma avenida mas lá de dentro não vem luz ou, se vem, é reflexão das luzes do mundo num espelho que aí colocaram.

O Espírito é absolutamente diverso da matéria na sua substância operativa. Qualquer tentativa de deduzir a natureza do Espírito de particularidades materiais -- mecanica quântica, etc. -- é falha. O Espírito não é uma sub-secção da matéria. Não será pela Física , talvez, pela Matemática que tal relação poderá ser elucidada. Pela Física, arriscamo-nos a perder de vista o propósito inicial de encontrar o Espírito, caminhando para o lado oposto da aparente barreira que dele nos separa.

No que segue, em capítulos posteriores, é tal relação estrutural e operativa que exploramos sem nos atermos à substância. A consciência, que é um processo e não uma substância, parece ser um bom ponto de partida para conceber a união -- ou ligação -- entre Espírito e Matéria.

A penosa revisão que empreendemos é indispensável para que estejamos prevenidos de uma ratoeira que nos é estendida por físicos que porfiam em encontrar Deus em particularidades da novidade científica. A ciência demonstra Deus pela sua incapacidade de explicar a excepcionalidade das suas manifestações, não o encontra. O Espírito condiciona a matéria, Deus criou-a mas não se submete àquela. A estranheza da mecânica quântica reside na natural dificuldade do progresso científico e não na prematura manifestação divina.

Um autor afirma que Deus está entre nós, sugerindo uma coincidência espacial entre a Sua presença e a nossa:

As semelhanças entre os ensinamentos de Jesus e os da Física quântica são surpreendentes. A afirmação “não se diga que está aqui ou ali porque o reino de Deus está no meio de vós” indica que o reino de Deus começa aqui no nosso tempo de vida, não apenas no Paraíso depois de havermos morrido. Isto compara-se com o ensinamento da moderna Física quântica.

Schneider, Dirk. Jesus Christ Quantum Physicist. 2015

Note-se o sofisma. O reino de Deus está em todo o lado, certo. Mas não tem de estar como realidade física. Uma reivindicação similar precede de vários séculos a física quântica. É o velho panteísmo, a doutrina que encerra Deus na sua criação material. Ou, se não o encerra, prende-o como se o universo fosse uma gigantesca âncora para o seu Criador.

Mais adiante, a propósito da experiência de Aspect, que referiremos, a qual estabelece ligação entre factos simultâneos mas distantes -- a aparente não localidade espacial -- afirma, confirmando a referida posição panteísta:

os autores (citados) chegaram à conclusão de que a não localidade no espaço indica que existe uma transcendência. Parece que alguma coisa que pode descrever-se como transcendente existe, a afectar o nosso mundo... A realidade transcendente é uma componente da realidade física que não podemos observar directamente... Faz sentido considerar se a omnipresença de Deus poderia ter alguma coisa a ver com a não localidade espacial.

Ibidem

Outro autor confirma a ingenuidade panteísta, um pot-pourri de ideias que, entretanto, alimentaram a teosofia, a new age e, finalmente, o palavreado “quântico” tão mais lamentável quanto protagonizado por físicos profissionais.

O conceito de alma despe-se de seus paradoxos cartesianos e dualistas, quando a imbuímos da dinâmica quântica e da causação descendente, como poderá ser visto; e a dinâmica quântica também lhe confere uma potencialidade inesperada, que nos permite perceber a validade dos ensinamentos esotéricos e explicar dados anómalos. É claro que há a importante questão de como a alma, vista como possibilidades quânticas sem estrutura, se recorda cumulativamente de cada uma de suas experiências encarnadas, mas não devemos preocupar-nos. Esta é a questão que consegui resolver, e a resposta é uma das mais importantes partes deste livro.

Goswami, Amit. A Física da Alma. Tradução. Aleph Publicações. São Paulo, 2005

Tal causação descendente nunca é explicada nem a promessa de resolução das questões levantadas é cumprida. Nem, talvez, valesse a pena. Abundam observações improvadas: “ a alma, vista como possibilidades quânticas sem estrutura, recorda-se cumulativamente de cada uma de suas experiências encarnadas.” Como veremos, talvez a alma não se recorde, em sentido literal, dessas experiências.

Vista no seu conjunto, a argumentação dos “espiritualistas” quânticos parece resumir-se nisto: -- Descobrimos Deus ao descobrir algo que não compreendemos do mundo (a mecânica quântica). Mas Deus não é deste mundo embora esteja neste mundo, mas apenas tal como a mão, não o lavrador, está na enxada. A ideia parece engenhosa mas a analogia é despropositada, forçada. Deus não é a onda quântica apenas porque a onda parece estar -- tal como Deus, está -- em todo o lado. Deus não é a eternidade apenas porque Deus conhece e domina a eternidade.

O texto seguinte descreve, com justeza, a deriva panteísta.

Dado que o universo está em evolução, a mente ou consciência do universo deve estar em evolução também. Essa mente cósmica é o mesmo que Deus? Apenas se Deus for concebido em um espírito panteísta como a alma ou a mente do universo, ou da natureza. Na tradição cristã, a alma do mundo não é idêntica a Deus. O teólogo cristão primitivo Orígenes (c. 184-253) pensava na alma do mundo como sendo o Logos infinitamente criativo, o qual deu origem ao mundo e aos processos do seu desenvolvimento. O Logos seria um aspecto de Deus, não a totalidade de Deus, cujo ser transcende o universo. Se em vez de um universo existem muitos, então o ser divino a todos incluiria e transcenderia.

Sheldrake, Rupert. The Science Delusion. Hodder & Stoughton. Grã-Bretanha, 2012

A ciência vai ao encontro de Deus pois descobre o prodígio da sua obra. E o prodígio maior é que tal obra, complexa e imensa nas suas manifestações, obedece a leis que a mente humana pode apreender. E tão bem apreende essas leis que as aplica em realizações práticas, acrescentando à variedade que o Criador deixou, a variedade que o humilde mas efectivo engenho humano cria. Ao imitar o Criador, o humano rende-lhe homenagem e maravilha-se. Mas Deus está sempre além, infinitamente além, e manifesta-se, directa e soberanamente, na excepção, não na regra.

A dicotomia Espírito vs. Matéria tem sido resolvida de três maneiras: -- materialista, tudo é matéria, os fenómenos espirituais, fraudulentos, não existem ou, se existem, serão explicados pela ciência do futuro; -- idealista, tudo é Espírito, a matéria é mera recriação, ilusão; -- realista, existem dois planos distintos, os quais se distinguem, se não pela substância, pelas regras da sua operação.

O realismo é a única alternativa que não foge à dificuldade de saber como é que planos qualitativamente distintos se relacionam. Para esta questão não há ainda resposta; é preciso admiti-lo. Há indícios mas são insuficientes.

Muito resumidamente se pode mostrar que as soluções materialista e idealista são equivalentes. A alusão à mecânica quântica serve as duas. As partículas de matéria (electrões, etc.) seriam ondas de probabilidade. Como ondas, atravessam o espaço e o tempo, são espírito. Como ondas de probabilidade, afectadas por incerteza, parecem explicar o livre-arbítrio. Se a onda colapsa, passa a partícula, fenómeno material, observável. Fim, mas ilusório e deletério, da questão.

Aviso de Swedenborg, já no século XVIII, aos materialistas -- e aos idealistas que não são outra coisa senão materialistas do avesso:

Eles são chamados de “os mortos”, porque a morte espiritual é danação, e a danação é o destino daqueles que acreditam que a vida provém da natureza, que a luz da natureza é a luz da vida e, assim, ocultam, sufocam e extinguem toda a ideia de Deus, do Céu e da vida eterna. Tais pessoas são como corujas, que vêem luz nas trevas e trevas na luz, isto é, falsidades como verdades e males como bens. Porque as delícias do mal são as delícias dos seus corações, eles não são diferentes daqueles pássaros e animais que devoram os corpos dos mortos como se foram guloseimas, e percebem os fétidos odores dos sepulcros como bálsamos. Essas pessoas não vêem outro influxo que não seja físico ou natural e se, no entanto, afirmam que o influxo é espiritual, isso não provém de qualquer ideia mas da boca de um professor.

Swedenborg. Obra já referida.

(Topo)