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Acerca do Plano Divino
Eternidades
O jogo dos possíveis
Tempo cronológico, tempo do Espírito e tempo de Deus
Deus perante a eternidade material
O jogo dos possíveis
Se o processo mental é puramente animal, ele está absolutamente determinado. Se o processo mental é animado, vivificado, pela alma, o tempo é reescrito. Com o arbítrio da alma, são alteradas circunstâncias já inscritas na eternidade. A eternidade vai sendo reformada pela intervenção do Espírito, seja por intermédio da alma ou, directamente, pela Providência Divina a qual opera em graças e milagres, solicitados ou não.
Se o arbítrio da alma se exercesse apenas uma vez em cada situação, a realidade material não passaria de um filme rodado de uma vez por todas que apenas serviria de lembrete permanente às almas que nele se representam. A redenção efectiva, confirmada, das faltas cometidas seria impossível. Conceber uma eternidade que congelou ao ser criada é eleger o livre-arbítrio como essencialmente ilusório.
Numa dada situação, a minha consciência animal automática, ou a minha alma, determinou-se de uma certa maneira, gerando consequências no futuro. Mas tal situação permanece na cronologia da eternidade. Tal permanência oferece à alma inúmeras oportunidades (no tempo do Espírito) de alterar um arbítrio anterior. Uma vida não fora gerada e passou a sê-lo. Uma vida, encurtada por um acidente, veio a ser longa porque a alma, agora mais atenta -- nesse cruzamento do tempo do Espírito e do tempo cronológico -- corrigiu, por renovada aplicação do seu arbítrio, o gesto fatídico.
É pois necessário aceitar que a eternidade, sempre provisoriamente estabelecida, continua acessível aos arbítrios das almas e à intervenção correctiva da Providência Divina. A eternidade não é dada de uma vez por todas. O processo criativo da acção do Espírito (Santo) de Deus -- ao qual pertencem as almas -- sobre o mundo material é continuado.
Como vimos, os efeitos das acções que vivificam a eternidade, modificando-a, aperfeiçoando-a, as intenções e iniciativas, os actos da vontade espiritual, camuflados no oceano da vontade automática dos seres vivos, propagam-se automaticamente pelo futuro relativo ao momento cronológico sobre o qual operaram. É o que concluímos da necessária seta do tempo relativa à energia.
Ao longo do tempo cronológico, os arbítrios da alma geram uma cascata crescente de alterações à eternidade, como ela era. Alterações que a alma, ínfimo fragmento do Espírito, não pode prever. Assim, tais efeitos hão-de ser regulados, corrigidos, por reiteradas e sábias intervenções da muito mais inteligente, e sempre presente, Providência Divina.
Recorde-se o ditado, “há males que vêm por bem.” Um arbítrio de alma adequado no curto prazo pode gerar consequências imprevistas e mais negativas que o mal que tal alma pretendeu evitar. De modo que a Providência Divina -- seja pelo Anjo da Guarda ou outra entidade -- é assistente indispensável para que nenhuma existência terrena, atingida pelas aludidas consequências a prazo, seja indevidamente anulada ou prejudicada.
Em resumo, a rígida rede material da eternidade, estática na ausência de intenção espiritual é agitada quando esta ocorre. Tal como na superfície da água é gerada uma onda quando sobre ela incide um corpo. O simples acto resultante de um arbítrio da alma pode levar a mudanças drásticas de destinos já estabelecidos no (respectivo futuro do) bloco eterno.
Se estou aqui, estou aqui no tempo aparente, cronológico, e no tempo do Espírito. É aqui, na intersecção de dois tempos, que eu me sinto e estou livre. Então, sou livre de alterar a eternidade, toda a fracção da eternidade em que estou presente, corpo e alma, ao longo dos dois tempos, o do Espírito e o da matéria.
Lembrar que a alteração da malha da eternidade, necessariamente por obra do arbítrio da alma ou da Providência Divina, propaga os seus efeitos apenas ao correspondente futuro cronológico. Somos afectados por mudanças ocorridas no nosso passado cronológico, nalgum instante do tempo do Espírito, mas não por mudanças ocorridas no nosso futuro cronológico. O tempo aparente tem significado físico.
Tempo cronológico, tempo do Espírito e tempo de Deus
Quem me garante que o passado é aquele que recordo? Posso, eu ou alguém, ter alterado esse passado, entretanto! Lembrar que, do passado, não me chegará jamais informação alguma. Transportamos algo do passado vivido, na memória e é tudo.
Há duas possibilidades. Uma alteração da eternidade propaga-se instantaneamente, no tempo do Espírito, a todos os tempos cronológicos futuros; neste caso, as experiências de todos os afectados ficam perdidas a partir daquela alteração, substituídas por novas experiências decorrentes da situação alterada.
Por exemplo: agora, no tempo do Espírito, e em 1980, no tempo cronológico, alguém, um amigo, morre. O momento que estamos a viver com esse amigo, em 2021, desaparece da cronologia, substituído por outro momento em que esse amigo não participa. Não estranhamos, pois que todas as nossas memórias foram, também e de imediato, alteradas.
A outra possibilidade reside em a alteração da eternidade se propagar pelo futuro a uma velocidade igual à da passagem aparente -- percebida pela consciência -- do tempo cronológico; neste caso, os efeitos daquela alteração, a morte do amigo, nunca chegarão a atingir a corrente da consciência iniciada imediatamente depois da morte desse amigo. Imaginar uma onda que avança no mar enquanto dela fugimos num barco que se desloca à mesma velocidade dessa onda.
O esquema acima é muito mais sofisticado e credível que o anterior. Mostra que a cadência do tempo do Espírito e a cadência da passagem do tempo cronológico são iguais. Este facto permite, como se disse, que uma alteração da eternidade num dado instante cronológico nunca alcance os instantes posteriores enquanto são vividos por uma consciência que não assistiu àquela alteração. Permite ainda que entre a vivência, da alma, no mundo material e no mundo espiritual não se interponha excessiva estranheza.
Outro exemplo permite perceber melhor que a propagação das alterações da eternidade à mesma “velocidade” que a da corrente da consciência favorece a economia das experiências terrenas, impedindo o seu desperdício:
Há dez anos, decidi que viveria no Brasil. A minha vida passou a decorrer nesse país, até hoje. Entretanto, a minha alma revisita o instante cronológico daquela decisão -- num tempo posterior do Espírito -- e altera-a, decidindo que, afinal, prefere que eu viva em Portugal.
Se a alteração produzisse efeito instantâneo -- no tempo do Espírito -- por toda a eternidade, todas as minhas experiências do Brasil se apagariam e o que recordaria agora -- tempo cronológico e tempo do Espírito -- seriam experiências de Portugal.
Se os efeitos da alteração avançarem lentamente, recordo agora --tempo cronológico e tempo do Espírito -- as experiências do Brasil ainda que uma parte dos meus eus anteriores esteja a viver em Portugal. Esses eus anteriores também contribuem para a vivência da alma; esta tem, assim, que gerir dois destinos ao mesmo tempo, a vida no Brasil, que prossegue, intacta nas memórias do meu eu de agora, e a vida em Portugal que se vai sobrepondo, na eternidade renovada, à vida no Brasil.
Nenhuma alma é violentada. Os amigos que fiz no Brasil prosseguem o seu destino na minha companhia. Pelo contrário, a primeira opção referida alteraria brutalmente o destino de todas as almas. Por outro lado, todas as decisões têm consequências. Nenhuma alma pode esperar anular gratuitamente os efeitos das intenções que, em determinado momento, elegeu. Terei de sofrer ou usufruir todas as consequências de ter escolhido o Brasil ao mesmo tempo que sofro ou usufruo as consequências de ter, depois no tempo do Espírito, escolhido Portugal.
Há que aceitar que o destino de cada um não é um curso mas um enorme número de cursos, como as sucessivas ondas do mar. Este conceito nada tem a ver com a teoria dos mundos paralelos pela qual, em cada momento, se ramifica o universo em tantos ramos quantas as possíveis decisões que cada um possa tomar. O conceito que acabámos de expor admite um único universo, uma única linha cronológica, é certo que percorrida incansavel e repetidamente, como procede o desenhador à procura do traço mais adequado.
Há um tempo ao longo do qual a vida do Espírito decorre, um tempo onde se dispõem, também, as intenções da alma as quais originam as mudanças que o seu arbítrio vai operando no bloco da eternidade.
Cada momento do Espírito corresponde a um estado da eternidade. O Espírito transita para um momento seguinte sempre que aí ocorre algum acontecimento, em particular, um qualquer arbítrio da alma ou da Providência Divina com efeitos no mundo material. Assim, o tempo do Espírito avança sempre que a eternidade se altera.
Para que tudo fique claro, deveríamos adoptar uma nomenclatura certa para referenciar o cruzamento entre os dois tempos, tempo cronológico e tempo do Espírito. Quando dizemos “agora”, referimos-nos ao momento cronológico da eternidade e ao instante do Espírito onde se situa a consciência que diz “agora.”
Noutros casos, temos de esclarecer: – se o acontecimento existe ou ainda não existe ou já deixou de existir na eternidade; – se o acontecimento ocorre no passado ou no futuro cronológico. O ponto de referência será sempre o “agora” da consciência que diz “agora.”
Sugere-se a seguinte regra: mencionar o tempo cronológico antes e o tempo do Espírito depois. Exemplos: “passado posterior” refere-se a um passado cronológico que o virá a ser por nova intervenção do arbítrio da alma; “futuro anterior” refere-se a um futuro cronológico que o era antes que certa intervenção do arbítrio da alma o alterasse.
O tempo do Espírito é outra dimensão de tempo. É, na realidade, idêntico à ilusão que temos do tempo cronológico: um presente em mudança. Pode dizer-se que o tempo cronológico (material) é sequência e que o tempo espiritual é sucessão. Perante cada presente espiritual estende-se toda a eternidade material.
O tempo do Espírito é perpendicular à linha do tempo cronológico, material. É, de facto, o que o nosso tempo só é em aparência, um tempo sucessivo. O tempo do Espírito é feito de um eterno presente, sucessão de instantes, enquanto o tempo material é sequência de momentos.
Mas, se é assim, se o tempo do Espírito é um eterno presente, onde guarda a sua memória? No tempo de Deus. Vejamos:
Deus observa a eternidade toda presente, como já defendia Tomás de Aquino. Se Deus experiencia o tempo cronológico, se conhece todos os seus momentos, transcende-o, está fora dele, experiencia-o mas não o experimenta. Mas se Deus não experimentasse um tempo, então Deus seria imutável, não teria criado nada, nem a si mesmo, nem o mundo, nem a vida no mundo. Não teria plano algum. Portanto, Deus há-de experimentar um tempo próprio, uma certa forma de mudança.
Uma vez que a eternidade material evolui sob a acção decorrente do arbítrio das almas, fomos obrigados a introduzir um segundo tempo, o tempo do Espírito. Seríamos tentados a afirmar que o tempo do Espírito é o tempo de Deus. É, certamente, o tempo do Espírito (Santo) de Deus. Mas ainda não pode ser o tempo de Deus, o Pai, Criador de todas as coisas. Se fosse, Deus experimentaria a mudança própria desse tempo como alteração.
Ora, Deus não corrige nem um átomo da sua criação. Tal como o tempo do Espírito envolve o tempo cronológico – um instante do Espírito é composto de uma eternidade cronológica – o tempo de Deus envolve o tempo do Espírito. Se o tempo do Espírito abrange toda a eternidade tal como ela se apresenta no “agora” espiritual, no seu eterno presente, o tempo de Deus abrange tudo o que foi, o que é, o que será. A mudança que ocorre no tempo de Deus Pai não é alteração é acrescento. As sucessivas eternidades não são mais do que a continuação do processo criativo do Pai. Assim, o tempo de Deus é composto de um só estado.
Deus perante a eternidade material
Quando Deus criou a eternidade terá tido de esperar que esta se desenrolasse até ao fim dos tempos? Quando Deus criou a eternidade material não existia nada, nem o espaço-tempo nem o seu recheio. Sendo assim, terá ocorrido uma espécie de Big Bang radical que se estendeu até ao fim dos tempos num instante do tempo do Espírito. Depois que a malha das coisas materiais foi estendida de uma só vez, as suas perturbações têm, como vimos, velocidade de propagação fixa, idêntica à velocidade da corrente da consciência.
Como poderia Deus conhecer a eternidade se ela não estivesse toda presente? Em pensamento? Mas, em Deus Pai, o pensamento é já Criação. No entanto, a omnisciência divina parece impedir o livre arbítrio. Como se a eternidade fosse o bloco rígido que as leis da Física esculpiram acrescentada do capricho divino. De facto, o livre arbítrio da alma, pela acção humana que comanda, altera a forma do futuro. O destino existe mas não é definitivo, não é vinculativo.
Então Deus não poderá saber, exactamente, o que será? Deus sabe o que é -- e que foi -- em qualquer momento das sucessivas eternidades. Se o bloco da eternidade mudar mercê de acção humana dirigida livremente pela alma, Deus sabê-lo-à imediatamente. A certeza do que é constitui atributo de Deus. A suspensão da certeza do que virá a ser é atributo da liberdade, a grande lei do Espírito. A surpresa é a alegria de Deus.
Deus apenas tem boas surpresas. Sempre que a alma intervêm no decurso da vida em que encarnou, as coisas melhoram. Sempre que a alma se abstêm, Deus fica triste porque nada muda. Já discutimos que a alma é sempre livre e sempre boa. O mal é a ausência do bem, a ausência da alma.
Ter em conta que o arbítrio da alma é limitado no seu âmbito de aplicação. Pelas circunstâncias materiais, claro. Limitado, também, na sua raiz, por proibições morais ainda mais drásticas, caso a Providência Divina se oponha; não esquecer que a alma é livre mas não está isolada de outras almas nem dos espíritos superiores que compõem uma harmonia mais vasta.
Pratiquemos, um pouco mais, a ideia da eternidade em bloco. Habituemos-nos a pensá-la de fora, da maneira que Deus a vê. Quando Deus criou o mundo material, o universo, criou, ao mesmo tempo, a totalidade dos tempos cronológicos. Desses tempos estava ausente a vida biológica. Entretanto, Jesus Cristo, a raiz da grande árvore, criou a vida biológica. O Pai operou e continua a operar beneficiações à sua obra. A própria Bíblia refere as etapas da Criação, os tais seis dias. Deus criou um mundo sem vida. Depois, no tempo do Espírito, criou a vida e a forma do seu sustento bioquímico. Depois, criou o humano. Finalmente, fez descer o Espírito que pensa sobre o mundo, através das almas.
Pode ser que, além do humano, existam outros humanos no universo, mais fiéis à alma, cavalos mais poderosos e mansos. As suas faculdades intelectuais talvez lhes permitam compreender melhor o espaço-tempo, a relação entre matéria e espírito, o funcionamento da alma. Porém, a eles se aplicam os mesmos princípios que aqui discutimos. Se Deus se fez filho de si mesmo, num Jesus Cristo de outro planeta, não o sabemos nem nos importa sabê-lo.
Uma vez que a eternidade não se assemelha a um mar tranquilo mas é sobressaltada por uma infinidade de arbítrios, cada um dos quais gera uma ondulação que progride pelo futuro cronológico até ser perturbada por outra ondulação mais à frente, o exercício da Providência Divina é de uma complexidade inaudita. A omnisciência de Deus só tem paralelo na sua omnipotência. É absolutamente insensato instar a razão divina. Disse Jesus:
Eu vos digo: não jureis de todo. Nem pelo céu, porque é trono de Deus; nem pela Terra, que é estrado dos seus pés; nem jures pela tua cabeça, porque nem um único cabelo foi feito por ti.
Podemos, ao menos, tentar vislumbrar como será a vida da alma, entre a eternidade material, instrumental, e o absoluto de Deus.
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