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Acerca do Plano Divino
Sociedades sem Religião
Fé, moral e lei
A falácia
Castelos de areia
Arautos do materialismo
Bertrand Russel
Richard Dawkins
Fé, Moral e Lei
A moral (la. mores) refere-se a comportamentos normalizados, perpetuados através de gerações, isto é, actos e outras exterioridades que, perante circunstâncias dadas, se espera que ocorram. Assim, quando me cruzo com alguém, saúdo e espero ser saudado. De onde vem tal certeza e segurança dos comportamentos, a moral? Do hábito? Certamente. O hábito, por sua vez, resulta da imitação da geração anterior. Tal imitação não é cega. Deve ser reforçada pela aprendizagem natural ou instituída. E pode ser prejudicada pela dissolução mental promovida pela “escola pública” satanizada.
Só uma referência profunda assegura a constância. A Fé é um poderoso estado interior capaz de determinar uma multitude de atitudes perante as coisas. Como as atitudes, por sua vez, determinam comportamentos, é de concluir que a Fé é o suporte seguro da moral. Jesus avisou:
-- Ouvistes que foi dito: “não cometerás adultério.” Eu vos digo que todo aquele que olha uma mulher com a intenção de a desejar já cometeu adultério no seu coração.
A influência da Fé sobre a moral ultrapassa a psicologia do comportamento. Se pode dizer-se, de alguém: -- Ele não é crente e, no entanto, é recto, -- não pode dizer-se o mesmo das sociedades, não pode dizer-se o mesmo quando o que importa é a média, a tendência.
Mas Fé em quê? Em Deus! As igrejas são importantes porque enraizam o hábito da Fé. Espada de dois gumes, também podem habitual à indiferença se, em cada reunião, não renovam uma convicção fundada nos seguintes pontos: -- que existe em cada um de nós uma alma que é espírito; -- que a alma, enquanto vivemos, é indissociável da pessoa que somos; -- que a pessoa ultrapassa, em importância e dignidade, o indivíduo físico a que estaríamos reduzidos, na ausência da alma; -- que a alma é criatura de Deus e que Deus criou a alma à sua imagem (livre, amorosa e ciosa de conhecimento); -- que a alma permanece ao longo da eternidade; -- que, no termo de cada encarnação, a alma sofre um processo de “limpeza” o qual anula as características individuais incompatíveis com o Espírito, anulamento que, no criminoso, apaga totalmente a individualidade (é a morte no Espírito).
Ensinou Jesus:
-- Está a chegar a hora em que todos os que estão no túmulo ouvirão a Sua voz. Sairão os que tiverem praticado o bem para uma ressurreição de vida; e os que tiverem praticado o mal, sairão para uma ressurreição de julgamento.
Na ausência da Fé, a moral ajoelha-se perante a legislação. Pode fazer-se tudo o que não é proíbido e nada do que a legislação proíbe pode ser feito. Como a legislação resulta do arbítrio de um legislador ou de uma classe de legisladores, a legislação é a consagração de uma certa modalidade de submissão, até de escravatura. A lei dos homens não liberta. Exemplos abundam em que o absurdo se torna lei.
Na ausência da Fé, a moral é oportunista. Se eu consigo ludibriar ou influenciar os fiscais da legalidade, cometerei crimes e não serei travado. A corrupção é contagiosa, torna-se um hábito. Diz-se da lei dos homens que é no sentido do “bem comum”. Tal bem comum inclui o criminoso? Redunda numa igualdade injusta entre o esforçado e o que espera colher vantagem do que não mereceu? Quem define e determina, legislando, o bem comum?
Só por feliz acidente a lei dos homens se aproxima da lei divina. A lei dos homens é enganosa, confusa, contraditória e indecisa na sua aplicação. A lei de Deus é exacta, clara e plena, apreendida facilmente ainda que pelas mentes simples. E é robusta pois que ancorada nos corações e não em papel. A lei do papel não é mais que o macaqueio, titubiante e ardiloso, da lei divina. A sociedade laica segue a pobre lei humana.
Mesmo no descrente, a moral expontânea tende a identificar-se com a lei divina. O problema é que a frouxidão da fé resulta no abrandamento da moral, na ausência de convicção, na contemporização com o mal.
A lei divina é intransigente com a liberdade. O que o Pai dá nenhum humano tira. A liberdade não se negoceia. O crente não transige, não abre mão da sua liberdade sob pena de sacrilégio.
A lei divina determina o amor. A tradução do amor nos comportamentos terrenos é a caridade. O “socialismo” é o arremedo da caridade tendo por intenção o roubo da liberdade. A caridade é voluntária. Havendo fé, a caridade multiplica-se.
Havendo fé, qual o eventual prevaricador que troca a eternidade por ilegítima vantagem material, a qual, no breve tempo de uma vida, se esgota? Toda a vantagem indevida é retribuída, no inevitável Juízo, pelo apagamento do próprio. A condenação à morte no Espírito é o grande dissuasor do mal.
A verdade, a honradez, na ciência e no negócio, é imperativo do crente. O crente é leal. Quando a honradez se esbate a sociedade afunda-se. Ainda que os princípios sejam enaltecidos, tornam-se impraticáveis.
A falácia
O autor abaixo citado dá como exemplo a Dinamarca, para ele, uma sociedade perfeita de pessoas perfeitas. Nas suas palavras: “John Lennon pediu-nos para imaginar onde não houvesse religião. Eu não estou apenas imaginando, estou vivendo isso. E estou adorando.”
Imagine um lugar onde quase ninguém vai à igreja, a maioria das pessoas não acredita em Deus e, entre aqueles que acreditam, a sua crença é bastante diluída. Imagine uma sociedade onde as pessoas vejam Jesus como talvez um bom homem que ensinou algumas coisas boas, mas certamente não foi o filho milagroso de nenhum deus. Tente conceber um canto moderno do mundo onde a religião praticamente não tem lugar na política, quase todos aceitam as evidências que sustentam a evolução, quase todos sabem que a Bíblia foi escrita por humanos e não pelo divino, e quase todos entendem que moral e valores existem independentemente da religião. Em tal cultura, a religião é tão fraca, marginal e completamente estranha que as pessoas nem mesmo são anti-religiosas. Elas são apenas indiferentes e, talvez, desinteressadas.
Outro artigo, do mesmo autor, publicado, agora, no blog da Psychology Today, generaliza:
...as nações democráticas de hoje que são as mais seculares, como a Escandinávia, Japão, Austrália, Holanda, etc., estão a sair-se muito melhor em quase todos os indicadores de bem-estar imagináveis do que as nações mais religiosas do mundo, como a Colômbia, Jamaica, El Salvador, Iémen, Malawi, Paquistão, Filipinas, etc…
… E, assim, a velha hipótese de que a religião é um requisito necessário para uma sociedade sã, segura e saudável pode e deve ser posta para dormir, com segurança, na cama de outras falácias flagrantes.”
John Lennon: o amor ambíguo...
Não é a ausência do divino que conduz à prosperidade. A prosperidade tem sido construída sob a influência cultural e moral de gerações anteriores, sob uma espiritualidade natural radicada no cristianismo popular, católico ou protestante, ou, mais para oriente, noutra religião qualquer. É a prosperidade que gera o materialismo, não o contrário. A prosperidade gera a crença na suficiência do humano e do visível. Para que precisamos de Deus se tudo vai correndo bem?
A Europa medieval, auge do cristianismo mais robusto, registou um enorme progresso técnico patente no aumento da produção agrícola -- comprovado pelo crescimento da população -- na construção das imensas e numerosas catedrais, na difusão do uso do ferro, quer em utensílios e ferramentas quer como material de construção, no aparecimento dos grandes navios de alto mar, só para dar escassos exemplos entre muitos disponíveis. A ordem de Cister, sucessora dos Beneditinos, demonstra que nenhuma incompatibilidade existe entre progresso material, político e social e alinhamento religioso.
O capital espiritual acumulado está a ser deliberadamente desbaratado -- o século XIX assistiu à cruel perseguição das ordens religiosas pela perversa maçonaria --. Com que consequências? A Europa registou, em 2016, 15,4 suicídios por 100 mil habitantes enquanto nas Américas a taxa foi de 9,8.
Sabendo como as dificuldades económicas são um importante factor de suicídio, a diferença anotada torna-se ainda mais significativa. Apesar da segurança e do bem-estar, as pessoas são menos felizes.
Não será apenas a omissão da transcendência, a incapacidade de aceitar o sofrimento como episódio breve no contexto da eternidade, que propicia o suicídio. O Estado socialista, retirando a cada um a faculdade de gastar o seu rendimento como bem entende, muito para além da normal função de solidariedade, gera a depressão própria de quem é encerrado numa gaiola, ainda que pintada a ouro.
O índice de felicidade elaborado pelas Nações Unidas pouco informa já que utiliza indicadores indirectos, nomeadamente, o rendimento e a segurança. Continua a estranhar-se que seja nos países cotados como dos mais felizes que as taxas de suicídio se revelem das mais elevadas. A Suécia é exemplo oportuno.
É evidente que, quanto mais incertas são as circunstâncias materiais mais fácil é perceber a fragilidade dos destinos, a dependência em que nos encontramos da Providência Divina. É assim que, na África, o cristianismo contribui para o sentimento da dignidade da pessoa, para a harmonia e segurança colectiva.
Por outro lado, nos países materialmente ricos ou nas classes sociais mais abonadas, a insensata distracção do usufruto combina-se com o infantil orgulho, parecendo que a ideia de Deus é coisa do passado, do tempo em que a electricidade ainda não brilhava.
Entretanto, deve estabelecer-se uma distinção entre espiritualidade e religião. Pode suspeitar-se que as religiões instituídas têm abdicado da espiritualidade, submetendo-se a restrições políticas, à inevitável contaminação dos costumes e, o pior, lisonjeando a descrença.
Ora, o que cabe às religiões, instituídas ou por instituir, é aperfeiçoar a sua doutrina e a sua prática, tendo em vista dar resposta satisfatória quer ao crente intuitivo quer ao descrente que exige um esclarecimento fundado e consistente sobre a relação que Deus quer estabelecer com cada um. Esta exigência é imperativa e deve ser satisfeita.
Castelos de areia
Ainda que uma sociedade sem religião possa ser feliz à sombra de valores que, parecendo laicos, foram herdados da religião abertamente professada pelos anteriores, embora, entretanto, relativizados e prostituídos, tal sociedade ruirá, como castelo de areia, ao menor embate.
É assim que aceita com excessiva serenidade a invasão de ditos refugiados, na verdade invasores, que hoje se sentam, com permitido e inaudito desplante, a uma mesa que não é sua e amanhã serão eles a ditar a ementa. se alimento ainda houver. É assim que aceita a manipulação genocida da vida humana, em especial dos que estão por nascer e, recentemente, até dos nascidos. É assim que atenua a responsabilidade perante as franjas etárias mais precárias, a criança e o idoso, e perante o doente. Como monstros hediondos, erguem-se “serviços nacionais de saúde” onerosos e vazios de eficácia, elementos de um comunismo ainda sem nome. O crime é encarado com indiferença. O atrevimento e mistificação dos detentores de poder não tem limites. Tudo isto não é novidade. Sempre acontece quando se rompe a ligação da criatura com o Criador, sobrevindo o caos e a dissolução.
Porque se situam, insensatamente, fora da realidade, as sociedades cegas a Deus não têm futuro. Qualquer organização mafiosa, tenha tempo, as desorienta e manipula. O chamado Ocidente é, desde há vários séculos, presa fácil de uma conspiração antiga. A persistência de tal conspiração demonstra que, à sua cabeça, se encontra uma só inteligência. Identificaram tal inteligência a um anjo decaído, Lúcifer ou Satanás. É possível. Certo é que, desde que se achou que Deus era supérfluo, proliferaram fantasias mentirosas. Hedonismo, ingenuidade, disparate, irrelevância, ausência de escrúpulo, cobardia, pautam atitudes e comportamentos.
Os muçulmanos permanecem, a seu modo, fiéis a Deus. Ao contrário dos cristãos protestantes, os muçulmanos nutrem devoção sincera e profunda à Virgem Maria. Claro que alguns dos seus preconceitos sociais nos desagradam justamente. Mas são detalhes perante a questão de fundo. Os chamados “neocons” quiseram voltar cristãos contra muçulmanos, atear a fogueira de um pretenso “choque de civilizações”, inventaram o “terrorismo islâmico.” A ideia era, e é, combater Deus, enfraquecendo os que têm Deus presente. Onde havia paz forçaram a guerra, onde havia entendimento instalaram a desconfiança.
Desde que a perseguição aos cristãos se acentuou, a partir de meados do século XVIII, a Europa foi perdendo a força moral. Educação e saúde, serviços fundamentais, caíram nas mãos de Estados previamente abduzidos pelo Maligno. Da educação fizeram endoutrinamento; o próprio corpo tornou-se propriedade do Estado. Assim, chegámos à aviltante e funesta situação do presente.
É indispensável que o Espírito volte a ser convidado. Que a Técnica seja assumida como preciosa ferramenta (José era carpinteiro) e não, abusivamente, como adorno, solução última, nova fonte de enganos, até. Só então o poder do milagre se manifestará, de novo, radiosamente.
Arautos do materialismo
Os prosélitos do racionalismo, os auto-denominados livres pensadores, estiveram à defesa durante séculos. De facto, o repúdio do materialismo é instintivo e unânime, a atitude materialista suscita antipatia e desconfiança. Entretanto, desde há mais de duzentos anos, fortalecidos por um movimento conjunto, os materialistas passaram ao ataque. As suas vitórias não são definitivas, pertencem ao domínio da política, não conseguiram desmoralizar inteiramente os crentes. O comunismo soviético proibiu o culto ao longo de setenta anos mas, quando caiu, o culto voltou.
O chamado “livre pensamento” materialista, que de livre nada tem, passada a novidade, exibiu a sua vulgaridade, a fraqueza dos seus lugares-comuns, incapaz de penetrar um milímetro os mistérios da existência. Os cristãos não incorrem em sectarismo ou importunidade se combaterem, como é seu dever, a propaganda do ateísmo, denunciando contradições e sofismas, contrariando que se lisonjeie a mediocridade sob o verniz do progresso e se promova o engano sob a aparência de senso comum.
Tomando para si os méritos da civilização industrial, como se fosse obra sua, os materialistas, numa exultação infantil, permitiram-se uma impudência intelectual que os teria exposto a monumental ridículo não fosse dominarem o mundo académico e a edição em papel; não fosse, também, a paralisia de muito clero, atingido pelo medo, pela descrença, pela corrupção.
Os materialistas imaginam-se mais corajosos, livres e bem intencionados que os crentes. Ufanam-se de estar livres das superstições próprias dos primitivos, os quais, sujeitos à lei da selva ou à escravatura, teriam o medo por constante companhia. Uma observação superficial do mundo materialista resultado de dois séculos de propaganda e de violência política “iluminista” basta para perceber que sobrou cinismo e engano logo que a sacralização do Estado substituiu a sacralidade divina.
Bertrand Russel
Um aclamado membro da elite intocável, vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 1950, Russel publicou, em 1957, o ensaio Porque Não Sou Cristão. Finda a sua leitura, já lá vão muito anos – a tradução do livrinho foi publicada em Portugal ainda no tempo do Estado Novo -- ficou-nos a ideia de que, contrariando a intenção do tal autor, seria mais inteligente ser-se cristão do que ateu. Não porque discordássemos inteiramente do conteúdo do panfleto mas porque logo nos pareceu que uma questão de tal monta fora abordada com imprópria ligeireza e evidente má fé. Por detrás da candura do título escondia-se a intenção de influenciar outros para que abandonassem a fé dos antepassados.
Aquele, era um texto de propaganda, não acrescentava nada de novo a outras obras em defesa do ateísmo nem nada que merecesse cuidado exame no plano da filosofia. Na sua brutalidade, o ateísmo é filosoficamente indefensável. Atrevidamente petulante, condescendente no seu primarismo, boçal na ironia, o ensaio de Bertrand Russel destinava-se a inibir ou a embotar a sensibilidade espiritual do leitor, a fazê-lo engrossar a horda uniforme e robotizada. Precisamente o tipo de mentalidade que a religião teria fomentado, segundo a acusação daquele autor.
Russel afirma e tenta argumentar que Deus não existe; se Deus existisse, não seria perfeito; as igrejas, em particular a católica, opõem-se ao progresso da sociedade e do conhecimento; a religião torna as pessoas piores; Jesus Cristo, tendo existido, não teria sido a melhor pessoa; a humanidade, ao libertar-se do peso da religião, avança para um futuro mais luminoso e feliz.
Um exame crítico do referido ensaio ocuparia, inutilmente, demasiadas páginas do presente trabalho. Apenas dois apontamentos. Assinala Russel, querendo aduzir que a Igreja tem aversão ao conhecimento:
O Papa Gregório, o Grande, escreveu a um certo bispo uma carta que começava assim: “Chegou ao nosso conhecimento uma informação a que não nos podemos referir sem corar: a de que ensinas a gramática a certos amigos”. O bispo foi obrigado pela autoridade pontifícia a desistir desse pecaminoso trabalho, e a Latinidade não se refez até a Renascença.
Russel bem poderia ter escolhido outro papa para protagonizar a anedota. Gregório Magno viveu no século VI e foi um prolífico autor. Até o reformador protestante João Calvino admirava Gregório e declarou que ele teria sido o último bom Papa. Pelo texto citado se percebe que o problema não estaria na gramática ensinada mas nos amigos… A referência à Renascença como época redentora de uma Idade Média de escuridão encontra-se absolutamente desacreditada pelos melhores estudiosos dessa Idade Média, época de progresso do qual o mundo renascentista foi mero e tardio usufrutuário. As obras de propaganda não se embaraçam com a exactidão...
A concepção da Igreja quanto à virtude é, sob vários aspectos, socialmente indesejável: em primeiro lugar e, antes de mais nada, por menosprezar a inteligência e a ciência. Este defeito é herdado dos Evangelhos. Cristo diz que devemos ser como as criancinhas, mas as criancinhas não podem compreender o cálculo.
O escárnio é especialmente malevolente e inadequado. Ser como as criancinhas em inocência e naturalidade, ainda não instruídas na mentira e na manha. Jesus Cristo não desdenhou o conhecimento: “Depois de três dias, o encontraram no templo, sentado entre os mestres, ouvindo-os e fazendo-lhes perguntas.” (Lucas)
Richard Dawkins
Em 2006, o biólogo Richard Dawkins publica o livro The God Delusion. Explica a sua deriva ateísta afirmando: "Creio que, naquela época, a razão, residual, para que eu fosse religioso era estar impressionado pela complexidade da vida (biológica) e pelo sentimento de que, por tal, teria de haver um criador; foi perceber que a explicação darwinista era muito superior que puxou o tapete ao argumento do design. E isso me deixou sem nada...”
Pode ficar-se com a ideia de que, sendo Dawkins um biólogo, estaria melhor equipado do que Russel para negar a necessidade de Deus na origem da vida. Porém, discutimos atrás que a questão essencial não são, à partida, os mecanismos da evolução mas a impossível passagem do inorgânico ao orgânico por processos naturais. De modo que Dawkins nada acrescenta a Russel senão uma verborreia ainda mais ruidosa e impudente. Uma interessante análise em:
Dawkins é categórico: "Quando uma pessoa tem um delírio, chama-se a isso insanidade; quando muitas pessoas sofrem de um delírio, chama-se a isso religião." Sendo assim, a humanidade tem andado febril; a ciência seria o indispensável e curativo balde de água fria. Recorre a Einstein, citando-o, para revestir o seu ateísmo de suposta solenidade:
Sou um descrente profundamente religioso. Este é um tipo de religião um tanto novo. Nunca atribuí à Natureza um propósito ou uma meta ou qualquer coisa que pudesse ser entendida como antropomórfica. O que vejo na natureza é uma estrutura magnífica, que só podemos compreender de maneira muito imperfeita, e que deve encher-nos de um sentimento de humildade. Um sentimento genuinamente religioso que não tem nada a ver com misticismo. A ideia de um Deus pessoal é-me bastante estranha e parece até ingénua.
Tão seráfica atitude retrata bem a divinização da natureza, a entronização do cientista ateu como guardião dos mistérios, sacerdote da verdade. É, de facto, um tipo novo de religião. Veremos, depois, quem usurpa o lugar de Deus. Não há aqui novidade. Espinosa fundou a teologia panteísta, onde Deus é tudo. Uma forma hábil de introduzir a ideia de que Deus não é nada, ou melhor, de que é como se fosse nada. Um Deus sem expressão pessoal, isto é, sem capacidade de vontade una.
Mas a propaganda do ateísmo pouco tem de filosofia, de filosofia séria, empenhada. As duzentas páginas de Russel e as quatrocentas de Dawkins alternam a exposição de casos avulsos, frequentemente desconexos, com o ataque às Igrejas. Ora, os pecados eclesiásticos são coisa humana, não dependem da presença ou ausência do Criador. O lamentável suplício de Giordano Bruno é um caso político tal como foi o de Joana d'Arc. Ainda que as igrejas não tenham finalidade política, a política faz-se, também, dentro e através das igrejas.
Embora o Delusion of God tenha vendido milhões de exemplares, parece que nem a exibição de incontáveis vendedores da ciência seráfica, exibindo o típico, beato e condescendente sorriso, foi suficiente para converter o público à nova religião. Pelo contrário, é patente um enorme retorno à espiritualidade. Uma espiritualidade por vezes ingénua, new age, mas mais livre, na qual as antigas e respeitáveis igrejas poderão assumir função re-estruturante.
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